terça-feira, 27 de dezembro de 2011

Anamnese


(...)
- Doutor, escreva aí no prontuário: "Essa é a minha história. Não cabe em palavras."
- Ok.
(...)

domingo, 25 de dezembro de 2011

Tatuagens


(...)
- Doutor, o senhor sabe da vida, né?
- Acho que sim...
- O senhor estudou, é letrado...
- De fato, o conhecimento é imprescindível.
- Sabe como funciona todo o corpo e tudo mais...
- Mais ou menos, por quê?
- Eu queria entender o mistério da vida. Como faço?
- Como?
- Isso. Como e onde.
- O quê?
- O mistério.
- Do que você está falando?
- Da vida, ué! Dessa incógnita. Já procurei nos vales e colinas, nos prédios e morros. Nos ares, campos e mares. Em filmes e textos. No próximo e em mim. Não me revelam o caminho.
- Não entendo direito do que você está falando, é sobre arte?
- Não, doutor, quero algo além da arte. Além da liberdade. Além da vida! Quero esse negócio que o Ser Humano quer. Uma luta digna, entende?
- Entendi. Sua resposta está em Jesus, na família e no trabalho.
- Vou fazer uma tatuagem.

sexta-feira, 16 de dezembro de 2011

Epiléptico

Epicrítico
Epidêmico
Episteme

À procura persistente
Desta epifania.

sexta-feira, 9 de dezembro de 2011

Voto Livre




E ao pedalar, 
Sinto no rosto todas aquelas 
Idéiasquebradasanseiosengasgados ruborespecados elipses versos, versículos; rumados. amargos . . .
Desprendendo-se de mim,
Como folhas ao vento.

quinta-feira, 8 de dezembro de 2011

Bem-Querer

(...)
- e então começou esse negócio aqui...
- Há 3 dias?
- Sim.
- Febre?
- Não.
- Ok. Esse diagnóstico é fácil. O que a senhora tem é Herpes Labial, causada pelo HSV, principalmente Tipo-1, adquirida através do contato íntimo via mucosa-mucosa com lesões infectantes.
- Como, doutor?
- Pelo beijo, minha senhora.
- Doutor, eu não tenho um bem-querer. E com um negócio desses como eu vou conseguir um?
- Desculpe, essa pergunta eu não sei responder.
(...)

sexta-feira, 12 de agosto de 2011

A Catarrenta


Não repare o título desta crônica. Ele é tão bizarro quanto a história que irei narrar.
Aconteceu realmente em Curitiba, com este que vos escreve, em uma das consultas clínicas da UBS.
Chamei Dona Maria - obviamente nome é fictício - e uma senhora de +/- 50 anos me adentra o consultório. Cabelo desarrumado, olhos meio esbugalhados e de vestimenta estranha... tendência Psicosis 2010.
Pergunto o que lhe está ocorrendo e ela refere uma tosse com catarro que não melhora de jeito nenhum (como diria uma amiga minha em desabafo: "Sempre tem uma tosse..."). Como o protocolo manda, fiz-lhe algumas perguntas-chave e investiguei a queixa. Até esse momento, a consulta ia muito bem, obrigado.
Pedi que fosse à maca para o exame do pulmão e a paciente, num ar de desprezo, diz:
- Eu ja falei pra outra médica, ela me passou um xarope e tá tudo igual... não resolveu nada.
Neste instante pensei que seria uma boa idéia ver o que a Dra antecendente havia diagnostica e receitado. Ledo engano...
Na hora em que me virei para voltar ao computador, a pcte tossidora enxuga seus bronquios, drena toda a secreção da cavidade nasal para a oral... e me dá aquele catarrão no chão do consultório.
"PFFFot" - onomatopéia do catarro eclodindo no piso. Eu, embasbacado com a cena, não consigo dizer nenhuma palavra. Olho para ela, olho para o catarro... olho pra ela... e completamente indignado alguma palavra me salta à boca:
- MMMMMMas... minha senhora.... a senhora cuspiu no chão?!?
- É... eu queria que o doutor desse uma olhada no meu catarro...
- Ahh... mmmmmas minha senhora.... faça-me o favor! A senhora cuspiu no chão??? Precisava cuspir no chão??? Meu Deus, pega uma toalhinha... sei lá. Como é que a senhora me cospe aqui???
E saí indignado antes que eu falasse tudo o que se passava em minha cabeça. Chamei a moça da limpeza e tentei, objetivamente, lhe explicar o que se passava:
- Uma loke cuspiu no chão.
Aí... enquanto ela limpava, eu esfriava minha cabeça e desacreditava da situação.
A paciente emudeceu.
Refletia a atitude haldoliana que tivera?
Não... estava se preparando para o próximo capítulo...

E o mundo se dá em doses homeopáticas...

Primeiros dias do estágio de Psiquiatria:
- Olá, Sr. X (os nomes descritos aqui são obviamente imaginários), por que o senhor está aqui?
- Eu visitei a Lua e encontrei o Sol...
Um presságio nada bom. E seguindo vieram as mais variadas (e por que não dizer loucas...) alegorias.
Nunca pensei que pudesse existir qualquer relação entre seres mitológicos, seu pais e uma perseguição materna implacável. Pois é, para este paciente havia.
Mas esse não é o ponto. É pouco engraçado considerando o sofrimento pelo qual, estes incompreendidos pacientes, passam.
O engraçado da entrevista foi o momento que o paciente nos testou para ver se estávamos espertos, se toda aquela pira estava nos deixando com medo. Entre uma e outra palavra agressiva, de tom elevado e nada respeitosa... o Sr. X fez que ia dar um golpe de caratê. Só faltou o iááá. A outra residente que estava comigo pulou num susto... e eu fiquei parado olhando para ele.
E nesse momento tenho que lhe contar algo do qual sempre me gabei: nunca tomei susto. Digo, quase nunca... lembrando de algumas poucas vezes que me assustei pra valer quando meu irmão caçula saía de algum buraco do universo paralelo para testar minha capacidade de controle adrenérgico. E latidos caninos. E só estas duas.
Tirando essas situações, nunca me assusto. E foi o que aconteceu. Eu olhei pra ele naquela pose, um tanto ridícula... e ele falou, olhando para a residente que me acompanhava:
- Você se assustou, tá com medo... mas ele é malvado.
Hahuahuahua.
O quê, EU??? Malvado???
Peralá, vindo de um paciente com antecedentes criminais em surto psicótico?!
Hahuahuahua.
Peralá. Aí não. Tudo tem limite.
Sempre fui um cara tranquilo, de boa família, ótimos amigos, cristão... agora, malvado não!
Diagnóstico do quadro: surto psicótico - agressividade, pensamento desorganizado, fluxo aumentado e totalmente incoerente.
Delirando. Delirando muito.
Melhorou após alguns dias de haloperidol... hoje é meu amigo.
Digo, hoje é meu comparsa, tá ligado???

quinta-feira, 11 de agosto de 2011

Paciente Anônimo

E acontecia isto: ele, dia após dia, estava nos corredores da Unidade (ou aguardando nos salões de espera). Era uma homem alto, de olhar distante e sempre vestindo, alternadamente, uma das partes do pijama; quase caricato. Difícil não o notar... mesmo em um ambiente diverso e turbulento como o da UBS.
Para falar a verdade, nunca o consultei. Esporadicamente trocava alguns gestos de bom-dia... mas estou convicto que todos nesta UBS sabem o seu nome. Pessoa boa, daquelas que merecem uma atenção especial. Parece-me que sofria de alguma doença psiquiátrica, mas se encontrava controlado através de medicações. A única coisa que a medicação não controlava - nem havia a necessidade - era a admiração e o carinho que ele tinha pela médica que o tratava. Sempre se sentia contrariado ao ter que consultar qualquer outro médico. Diariamente, por alguma razão, ele estava lá. Já fazia parte da nossa UBS. Tinha se tornado parte do ambiente, como qualquer um dos funcionários ou um quadro pendurado na parede.
Nunca entendi completamente a razão que o impelia a vir de segunda a sexta (quiçá também aos sábados) à Unidade, considerando que raramente consultava. Seria a esperança de alguma cura completa para sua patologia? Ou a esperança de encontrar a admirada médica que já não trabalha nesta UBS? Seria para se sentir normal meio a tantos outros pacientes?
Não sei. Talvez não. A resposta mais razoável, creio eu, é a de que ele vinha para completar sua rotina. Aqui, ele se sentia em casa. Aqui, todos o queriam ajudar e sabiam de sua doença. Aqui eram seus amigos, sua família, seu lar... onde resgatava sua dignidade humana e encontrava sua identidade.
Aqui, ao vagar anônimo, todos sabiam o seu nome.

Desengano

- E os meus exames, doutor
- Maus, filho. Você morrerá em 5 horas.
Era um homem importante, da alta sociedade. Executivo, 42 anos, agenda cheia. Tinha que marcar horário até para defecar.
Mas aquele dia foi diferente. Tinha sido desenganado, deveria aproveitar suas últimas horas de vida.
A primeira coisa a fazer foi se despedir. Depois, dispensou seus guarda-costas
- Toma aqui, Marcão. Acho que isso dá pra vida inteira.
De isso para a quebra dos laços matrimoniais foi rápido
- Por que assim, amor?
- Não sei, deu na telha.
Despojou-se de todos os seus bens materiais, incluindo a roupa. A loucura tomou conta. Quem passava pela Av. Paulista naquele dia via-se constrangido por um doido varrido totalmente despido.
Subitamente, o telefone pendurado às suas cuecas, que se encontravam estiradas na calçada, toca. O louco atende:
- Alô
- Alô, aqui é o Dr. Palhares. Seus exames estavam trocados. Você tem saúde para muitos anos.
O homem, agora vestido, chora ao ver sua vida acabada. Pega um revólver, aponta na cabeça e aperta o gatilho.
Tinha sido desenganado.

Por Guilherme

Seu Valmor


- Tudo bem, Seu Valmor?
- Tudo bem, Seu Doutor...
- Você fecha a porta, fazendo o favor?
( ... )
- Então me conte: o que está acontecendo com o senhor?
- É o meu pescoço, tá me dando uma dor...
- Mas há quanto tempo o dissabor?
- Há mais de três meses. Té pra caminhar tá me dando um temor.
- Então me deixe examiná-lo aqui na maca, por favor.
( ... )
- Isso, bem aí que me dá o ardor!
- Ah, então fique tranquilo, seu Valmor. Não há o porquê do pavor! Sua dor é muscular e o tratamento é simples: antiinflamatorio e muito calor.
- Puxa! Muito obrigado, seu doutor! Já tô até me sentindo melhor... O senhor é um médico de valor!!!
- Imagine, seu Valmor. Esta profissão versada, a gente exerce com amor.

A História De Um Cigarro

Essa me ocorreu quando uma paciente, daquelas roucas e tossidoras crônicas, percebeu que havia perdido sua carteira de cigarro em meu consultório...
- Tava novinha Doutor! E meu Deus, perdi também a minha carteirinha...
Mais que depressa emendei:
- QUE BOM! Que bom que a senhora perdeu essa porcaria! E se eu achar vou jogar fora!!!
Fiz sua receita, despedi-me e ainda insisti na idéia da abstinência do tabagismo. Ela se foi um tanto aflita, mas conformada.
Quando fui examinar o paciente seguinte, encontrei o bendito maço orfão em cima da maca. Mas a grande ironia do fato é que anexada à carteira de cigarro estava a carteira do SUS, dentro daquele plástico que envolve os maços e escondendo aquelas imagens assustadoras de enfisema, câncer e aborto. Se fosse artista, pincelaria um quadro do conceito.
Então, um conflito relâmpago acendeu em minha mente: "Entregar ou não a carteira de cigarro? Que tal entregar somente a carteira do SUS?". Argumentos éticos, morais e de saúde se degladiaram em mim durante alguns milésimos de segundo... e como o livre-arbítrio é o bem-supremo da humanidade, decidi entregar seus cigarros.
Ao ir ao hall da UBS encontrei a paciente, meio frustrada, procurando nos cantos o objeto de seu vício - cercada de tantos outros pacientes.
Meio hesitante, parecendo um contrabandista, dei sua carteira de cigarro grudada à carteira do SUS. Não, certamente não poderia deixar de falar algo... Afinal, o que os outros pacientes haveriam de pensar??? "Estaria o doutor incentivando o tabagismo? Que tipo de médico é esse?"
Aí, pensei rápido e falei em alto e bom som pra que todos escutassem:
"Minha senhora: aqui está a sua carteira de cigarro... E aqui está o seu cartão do SUS. Um dos dois a senhora vai ter que jogar fora! Pense bem."
E saí vitorioso